Eu gostava de alimentar a fantasia de que nada era capaz de me atingir. Que, a despeito dos acontecimentos, minha frieza era tanta que poderia ignorar o que quer que fosse. No começo, era claro uma fantasia, que tomou força e fôlego ao longo dos anos e se solidificou em minha personalidade. Por quê? Porque me parecia que ser uma pessoa aberta aos sentimentos, ser uma pessoa vulnerável ao que acontece ao redor era mais uma fraqueza do que uma virtude.
Com o passar do tempo, as coisas que me tocavam já não despertavam mais o menor interesse, quando não instigavam um certo desprezo. Me tornei cínico, sarcástico, seco, arrogante. Tudo para sustentar aquela idéia falível de que valia a pena ser frio como gelo. Na minha cabeça, eu seria capaz de passar por cima de quem quer que fosse, de que seria capaz de perder pessoas sem sentir sua falta, que não precisaria enxergar beleza em certas coisas. Mais e mais, minha mente foi mudando, passando da sensibilidade quase artística para uma racionalidade rígida.
Eu mudei. Tinha conseguido mudar quase totalmente, suprimir aquele Eu fraco que existia. Mas ninguém que tenha nascido como eu pode sustentar uma máscara tão pesada por tanto tempo. Comecei a enlouquecer sem perceber, e quando percebi já era tarde. Na tentativa de ser forte apenas me destruía mais um pouco deixado apenas com uma sombra do que era antes. Mas estava convencido de que era aquela a solução para mim. Ser frio, racional, implacável. E insisti na loucura, convencido de que nada poderia me atingir, mesmo cravejado do flechas no peito.
Mas recentemente, descobri que tudo isso não passa de uma ilusão infantil. Cometi erros que achei que, como um ser frio e insensível, estaria preparado para cometer, e, na verdade, quando o horror me atingiu, me senti desesperado e sem ter para onde fugir. Perdi pessoas ao longo do caminho e chorei como criança, perdido, sem saber como aquilo foi acontecer.
A verdade é que não sou feito de aço.