quarta-feira, 11 de maio de 2011

Manifesto

O Excelentíssimo Deputado Federal Bolsonaro distribuiu 50 mil panfletos alertando sobre os perigos da “Agenda Gay”. Entre outras acusações infundadas, ele coloca no mesmo patamar homossexualidade e pedofilia. Segundo ele, o próximo passo depois de legalizar a união homoafetiva seria descriminalizar a pedofilia. A lógica distorcida provavelmente usada por esse homem é: se pode homem com homem, mulher com mulher, porque não homem com menino? Ele monta seus argumentos pela lenda de que gays se atraem por crianças e, por conta dessa atração, seduzem e aliciam menores de idade para o sexo. É um argumento falacioso, um sofisma, uma idéia que não se sustenta nos fatos. Além de ser uma acusação injusta e leviana, não (só) com os gays, mas (também) com as vítimas da pedofilia.

Pedofilia e homossexualidade não assemelham de forma alguma. A pedofilia se caracteriza pela atração por crianças e pré-adolescentes, independente do sexo dela ou da orientação do pedófilo. Não é raro achar pedófilos de meninos que são casados com mulheres - às vezes entre as vítimas estão inclusive os próprios filhos. Homossexualidade é a atração sexual/emocional pelo gênero oposto e ponto.

E, como se não bastasse essa diferença, a pedofilia produz vítimas, gera danos e traumas psicológicos que muitas vezes são irreversíveis na criança: desde isolamento social à distúrbios de múltiplas personalidades.

Estou dizendo que não existem pedófilos homossexuais? Não! Não estou excluindo os gays dessa categoria. Eles existem, claro que existem! Mas também existem pedófilos entre os heterossexuais. Também existem pedófilos entre os religiosos. Pela lógica racional (parece redundante dizer “lógica racional”, mas faço essa ressalva, considerando que homens como Bolsonaro seguem a “lógica religiosa” ou uma “lógica” que foge aos fatos), há numericamente mais pedófilos entre os “heterossexuais” do que entre os gays, se formos extrapolar a proporção que há de homossexuais entre a população geral. Bolsonaro diz alguma coisa contra esses pedófilos? Sim, diz! Eu espero que diga! Mas me parece injusto relacionar duas coisas completamente diferentes para perpetrar a homofobia.

Nós, gays, também não queremos ser engolidos a força. Não queremos converter seus filhos ao “homossexualismo” - quem muito tenta “converter” as pessoas são, ironicamente, os religiosos. O que Bolsonaro não consegue entender é que não se converte ninguém à homossexualidade, não se transforma ninguém em gay - o contrário também é falso; não existe “ex-gay”. Bolsonaro é o tipo de pessoa que acredita que “é de cedo que se torce o pepino”. Pra algumas coisas isso é verdade, pra outras, como a orientação sexual, não há tapa nem palmada que dê jeito. Se seu filho, não importa a idade que tenha, é heterossexual, não há Kit Gay feito pelo Ministério da Educação que vá trasformá-lo num homossexual! No entanto, há a ideologia vigente da intolerância, que pode transformá-lo num ignorante, numa pessoa incapaz de conviver com as diferenças inevitáveis no atual cenário social. A qualidade do “Kit-gay” feito pelo MEC é duvidosa, deve-se revê-la e reformulá-la, até mesmo vetá-la, mas é incorreto (e perigoso) afirmar que ela vá corromper as crianças e jovens.

Bolsonaro e outros segmentos religiosos também defendem que a união homoafetiva desfigura a imagem da família que deus imaginou para a humanidade. Que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é aprovada por deus. A primeira falha desse argumento é: e quem não acredita em deus? Essa “verdade” deve ser imposta mesmo a quem não partilha desse conceito religioso de família? O direito de se constituir uma vida ao lado de quem quer que seja deve ser negado porque uma parcela da população acredita que “deus não aprova”?

Segundo: se hoje em dia a família padrão não é mais “Pai, Mãe e Filhos”, a culpa não é dos homossexuais. A culpa é da Revolução Industrial que moldou os nossos padrões de consumo e comportamento. Se hoje existem mães solteiras e chefes de família é porque, décadas atrás, as mulheres tiveram que sair para o mercado de trabalho e ajudar nas despesas domésticas e, então, conseguirem se emancipar da concepção patriarcal. O casamento gay não pode desfigurar uma imagem que já se desfigura desde o começo do século passado. Dito isso, me pergunto se o Excelentíssimo Senhor Bolsonaro (e acrescente aí o setor religioso) quererá proibir as mulheres de serem partes do mercado de trabalho sob a inglória justificativa de que elas são uma ameaça a Instituição Familiar. Temo, contudo, que este seja um sonho distante desses senhores.

Ainda há a idéia de que uma relação homossexual não pode gerar filhos, o objetivo divino pro sexo - alguns desses senhores ainda não ouviu falar de Freud. Não há argumento contra a isso. Uma relação sexual entre homens jamais irá gerar um descendente. Mas quantos relacionamentos heterossexuais também não geram, por infertilidade de um dos parceiros, ou até mesmo por opção. Se isso é um obstáculo para se reconhecer a “união homoafetiva”, porque não deveria ser para todos os casais que não tem filhos? Não nos esquecendo que o fato de uma pessoa ser gay não implica que ela seja necessariamente estéril. E há ainda as adoções e tantas outras opções que são asseguradas pela lei aos heterossexuais sem que isso diminua sua condição enquanto instituição familiar.

Outra - e infelizmente não é a última - acusação desse(s) senhor(es) é que existe uma ditadura gay, uma mordaça rosa que os quer silenciar e proibir de pregar seus “preceitos religiosos”. Ela existe? Talvez exista. Assim como há fundamentalistas do lado de lá, há, certamente fundamentalistas do lado de cá também. Se há homofóbicos, não deve ser impossível achar heterófobicos por aí. No entanto, essa última classe existe numa quantidade ínfima, pífia, quando colocada em contraste com a mastodôntica quantidade de homofóbicos. Não queremos silenciar ninguém (a maioria absoluta não quer mesmo!). Se a sua religião prega que deus não aceita a união homossexual, que a homossexualidade é um pecado, abominado por deus, pregue-a! Pregue-a a quem quiser ouvir! Se você acha que não há moralidade em um relacionamento gay, continue achando por favor. E, por favor, diga! Ninguém está dizendo que você deve se calar, ou parar de fazer panfletinhos infames (desde que pagos do seu próprio bolso). Mas lembre-se que é possível pregar, que é possível achar, que é possível se expressar sem agredir o próximo. Essa deveria ser a verdadeira essência da de uma sociedade democrática: conviver com as diferenças. O movimento gay toma ou tomou algumas direções erradas ao longo de seu caminho? Sim! Quem nunca tomou? Mas, por favor, não diga que queremos obrigar as pessoas a viver o nosso estilo de vida; não faça propaganda, insinuando que queremos calar a sociedade - até porque isso seria impossível. Não chegue ao absurdo de insinuar que a partir da legalização da União Homoafetiva todas as pessoas deverão se casar com alguém do mesmo sexo!

Não há Mordaça Gay, não existe uma Agenda Gay, não existe um plano gay pra “Tentar Dominar o Mundo”. Nem pra estuprar crianças, nem para destruir os valores familiares, morais ou religiosos.

Há, sim, um plano! Um plano para conseguirmos nossos direitos, para que sejamos aceitos como iguais numa sociedade que parte justamente do principio da igualdade. Tudo o que queremos é a liberdade de viver em paz, com nossas famílias. Como vocês.

Um comentário:

  1. Acho a maior ironia do mundo ouvir cristãos fanáticos pregando que 'a família deve ser homem, mulher e filhos'. Em primeiro lugar, me fala onde na Bíblia está que essa é a única forma aceitável de família?
    Outro conceito. "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei". Nenhum dos 10 mandamentos diz: "Repudiai aqueles que são do mesmo gênero e tem relações sexuais." Nunca ouvi falar que em qualquer parte do livro-texto cristão haja um repúdio as relações entre pessoas do mesmo sexo.

    Vamos lá pra parte irônica que mais gosto. Nas aulinhas de Ensino Religioso falam que Pedro saiu ali da região do Oriente Médio e foi para a Itália, onde iria fundar a sua Igreja. Correto, não? Ok. Bom, vamos lá. No Império Romano, assim como na Grécia, a prática de relações homossexuais antes de guerra era comum. Sabe, numa época em que não tinhamos babacas homofóbicos, homens fazerem sexo com outros homens era estimulado. E apesarem de ter uma "família" nos moldes cristãos, tinham seus amantes gays e não eram condenados por isso.
    Calígula, um dos mais famosos imperadores romanos tinha seu amante.
    Engraçado né? Como Pedro, o responsável por fundar a Igreja que levou o cristianismo ao Ocidente, decidiu fazer isso num país onde homossexualidade era tão normal quanto ser heterossexual ou bissexual.
    Os evangelhos escolhidos para entrarem na bíblia foram escolhidos por muitos homens que tinham relações homoafetivas.
    Doce ironia, não?

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